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terça-feira, 15 de maio de 2012

Subversões



Escritores (jornalistas, romancistas, poetas) são, antes de tudo, homens com vísceras. Uma má alimentação pode bastar para que não vejam o mundo da mesma forma. Assim, talvez, até sapos possam ser mais objetivos do que qualquer escritor. Mas não é nesse ponto em que pretendo chegar, nem mesmo quero condenar esse ofício - do qual também faço parte.
Nenhuma conduta está imune de julgamento. Não há deuses. Quaisquer instituições, organizações, são regidas por homens; sendo assim, estão suscetíveis aos males da carne: ilusão, corrupção, fracasso. Entretanto, atendo-me aos meios informativos, a solução não está em os abandonarmos de maneira generalizada. Mas,sim, em não idealizá-los; nem podemos nos limitarmos a uma determinada capa onde alguém escolheu o que deveria ou não estar ali. Temos que aprender a sermos mais afiados em nossos julgamentos. Enxergar além da máscara. Tarefa árdua.



O poder da manipulação, ou duplipensamento.

Salta à minha cabeça uma questão desenhada por George Orwell, no livro "1984". Qual a natureza da verdade? Existe algo que se possa denominar "verdade"? Existe, à primeira vista, uma forte ligação entre a realidade mostrada no livro e a realidade de governos socialistas na Rússia e China, por exemplo, que dispensavam qualquer valor objetivo à verdade. Mas não devemos, necessariamente, nos limitarmos a essa ligação. Os países industriais do Ocidente também poderiam se encaixar nesse contexto, embora num ritmo menos drástico. "A realidade", diz o partido dominante, "não é externa. A realidade existe na mente humana e em nenhum outro lugar (...) Tudo o que o partido reconhece como a verdade é a verdade." O torturador membro do partido afirma, sem cerimônias: "O poder não é um meio; é um fim. E poder significa capacidade de infligir dor e sofrimentos ilimitados a outro ser humano." E a consequência desse poder é criar a realidade que desejam, ao bel-prazer. Percebe-se então que Orwell retrata uma forma extrema de pragmatismo na qual a verdade passa a subordinar-se ao partido. 
Em nossa sociedade capitalista, um pouco mais diferente da mostrada no livro, também temos nossa dosagem de duplipensamento cotidiano. Mas antes de comentar a respeito, aqui está a definição do duplipensamento: "Significa a capacidade de abrigar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias, e acreditar em ambas (...) Esse processo precisa ser consciente, ou não seria conduzido com a necessária precisão, mas também precisa ser inconsciente, do contrário traria consigo um sentimento de falsidade e, portanto, de culpa." Voltemos ao comentário, então. Em nossa sociedade, se trabalho para uma grande corporação que diz possuir o melhor produto, melhor do que o produto da concorrência, não é relevante, normalmente, questionar se há justificativas para defender isso. Simplesmente, aceitamos. É nosso emprego. Mas, se mudo de trabalho, vou a outro corporação, começo a então defender esses outros produtos, que eram "meus" concorrentes, como melhores - e, subjetivamente, essa verdade será tão verdadeira quanto a anterior. "Um dos desenvolvimentos mais característicos e destrutivos de nossa sociedade é o fato de que o homem, ao se tornar cada vez mais um instrumento, transforma a realidade, progressivamente, em algo relacionado a seus interesses e funções. 

Imagens como produto.

Quando caminhamos por uma rua, em centros urbanos, encontramos uma saraivada de anúncios, imagens. Nenhum deles está essencialmente interessado em ensinar algo útil. Os anúncios, imagens e congêneres apenas estão nos querendo vender algum produto na maioria dos casos. Cada vez mais nos identificamos com essa cultura. Para sermos indivíduos dentro da sociedade, assimilamos a cultura (produto) que nos vendem e outros compram. Quando vai chegar a hora de perguntarmos, não apenas em casos isolados, se estamos indo no caminho certo para uma vida saudável?
Na teoria, vivemos em uma democracia em que somos livres. Mas não devemos aceitar isso como uma verdade absoluta, pois, para existir uma democracia realmente digna, temos que estar sempre zelando por ela. Acontece que, constantemente, estamos desviando o olhar para o supérfluo que nos oferecem - que incluo carnavais, copas do mundo, olimpíadas, também -, quando deveríamos sempre estar atentos ao que conseguimos (ainda que não como queríamos) com tanto suor: nossa liberdade.  
Se continuarmos a omitir - porque estamos ocupados demais com as trivialidades cotidianas - os males que acontecem na política, na sociedade, estaremos no caminho certo para repetir o passado, em que sempre alguns mais interessados conseguem ganhar privilégios em detrimento de outros.
Jornalistas, romancistas, poetas, políticos, entre outros, são propagandistas de suas "crenças". Cabe a nós nos informarmos de maneira honesta. "Olho vivo, faro fino (...) Olhos atentos a todo movimento: é preciso duvidar", ouço agora, tocando no rádio.

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